Um prenúncio do que está por vir
João Sena
EDITORIAL - No último mês, viu-se por todo o mundo uma desregulação térmica, com regiões ao norte global registrando altas temperaturas e regiões ao sul com baixas temperaturas. Sabe-se que, com a dinâmica de movimentos do planeta, é normal que haja variações nas temperaturas ao longo do ano. Isso se evidencia, sobretudo agora, com o inverno no hemisfério Sul e o verão no Norte. Todavia, este ano, as ondas de calor no Canadá e de frio no Brasil estão acima da média esperada dessas estações do ano. Isso porque, diferentemente dos outros anos, as temperaturas recordes, tanto negativas quanto positivas, estão sendo sucessivamente batidas.
O desequilíbrio térmico no mundo, causado pelas ações mais intensas com o deslocamento das massas de ar, pode significar mais do que apenas ondas térmicas, mas sim, um prenúncio do que pode ocorrer com a dinâmica climática do planeta ao longo das próximas décadas. É provável que, nos anos seguintes, fenômenos tais quais estes ocorram com mais frequência em todo o planeta, com cada vez mais quebras de recordes. Mais do que variações de temperatura, esses eventos são um sinal de alerta do planeta quanto às mudanças climáticas.
Para se ter ideia da gravidade da situação, o intenso calor que atingiu o Canadá entre o fim de junho e julho cozinhou moluscos tais quais mariscos e mexilhões devido ao aumento da temperatura do mar. Foi responsável pela morte de cerca de 200 pessoas no país, e, ainda, causou muitos incêndios na região da Colúmbia Britânica. Além disso, como se já não bastasse, o país atingiu uma temperatura acima dos 45 C, o que não se via desde 1917, vale ressaltar, cerca de 20 anos após o início da Revolução Industrial do país.
Paralelamente a essas ocorrências, no Brasil, o que se vê é um movimento contrário. Na última semana, um período de frio intenso se instalou graças ao deslocamento da Massa de Ar Polar rumo ao país. Ela, que advém da região polar sul, traz consigo baixas temperaturas e umidade, provocando um período de ressaca. Inclusive, além de recordes negativos de temperatura em algumas regiões do país, houve também ocorrência de neve. Isso tem relação direta com o processo das mudanças climáticas, porque este tem acelerado o desconjuntamento da dinâmica do clima em todo o mundo.
Muito do que se vê tem causado, inclusive, questionamentos de parte da população mundial. Afinal de contas, como pode estar havendo aquecimento global se está fazendo mais frio no Brasil? Embora essa pergunta pareça ter lógica, ela não tem!
Além de o processo do aquecimento do planeta se relacionar diretamente com o desequilíbrio climático, é preciso ter em mente que há diferenças entre os conceitos de tempo e clima, sendo este o conjunto de condições atmosféricas que caracterizam uma região e aquele o estado da atmosfera num determinado momento. O fato de o tempo em determinada região indicar frio não nega o fenômeno de aquecimento do planeta. E discursos tais quais o citado acima podem ser perigosos pois passam uma falsa interpretação dos fenômenos, produzindo, portanto, declarações enganosas.
Mas afinal, de quem é a culpa? Bom, de ninguém especificamente. Talvez da sociedade como um todo de não ter se preocupado com essas questões enquanto havia tempo. Mas tentar encontrar um responsável por isso já não é mais cabível. A essa altura do campeonato, a fim de mitigar eventuais consequências desse processo, o que nos resta é agir e mudar. E quando falo de mudanças, refiro-me a mudanças sociais, não individuais. O ethos da sociedade contemporânea é procurar, a todo custo, soluções pessoais para problemas que são coletivos. No ponto em que chegamos, não é mais viável mudar pessoa a pessoa. O que se faz necessário é a existência de políticas públicas nacionais e internacionais para tentar reverter um quadro quase irreversível. E que fique de mensagem: nosso planeta já está pedindo socorro!