Países que fazem parte do Sahel estão plantando árvores para conter o avanço do deserto do Saara
Saulo Aguiar
Você deve prestar muita atenção por onde anda em Paga, cidade localizada no extremo norte de Gana. Se caminhar pela parte errada desta pequena cidade, na fronteira com Burkina Faso, corre o risco de ficar cara a cara com um crocodilo. Embora isso pareça muito perigoso, a população local cultivou uma relação assustadoramente próxima com esses répteis, que vivem em lagos "sagrados" ao redor da cidade.
Reza a lenda local que o primeiro líder de Paga foi salvo por um crocodilo durante uma expedição de caça – ele decretou que daquele dia em diante nenhum membro do seu povo faria mal aos animais. Hoje, os moradores ainda cuidam dos crocodilos, alimentando e protegendo os animais, de acordo com matéria publicada pela BBC. Aparentemente, as mulheres podem lavar suas roupas nas lagoas sem medo, e algumas almas corajosas até nadam com eles.
Mas Paga e seus crocodilos enfrentam a ameaça do avanço do deserto ao seu redor. Localizada no extremo sul da região semi árida do Sahel, faixa de terra ao sul do Deserto do Saara, que se estende de leste a oeste do continente africano, a área circundante de Paga é coberta por um solo arenoso que se dispersa facilmente. As árvores retorcidas e os arbustos atrofiados, perfeitamente adaptados para lidar com os períodos de seca que atingem a região, ajudam a fixar o solo. Mas o crescimento da população de Paga e das cidades vizinhas levou à derrubada de muitas árvores para fornecer combustível e material de construção, além de abrir caminho para terras agrícolas. Sem a vegetação para fixar o solo, ele é simplesmente varrido pelo vento e pelas fortes tempestades. Com isso, as plantações e a vegetação selvagem ficam sem opção para criar raízes, transformando aquela terra num deserto.
Awaregya, fundador de um grupo ambiental em Paga, está atualmente ajudando a coordenar os esforços para conter o avanço do deserto, construindo, entre outras coisas, um muro. Não como um qualquer, feito de tijolo, pedra ou concreto. Este é formado, na verdade, por troncos, galhos e folhas – uma barreira verde viva para deter o deserto quase sem vida.
Ao longo do século passado, o deserto do Saara cresceu mais de 7.600 km² por ano, e agora está 10% maior do que era em 1920. O avanço se deu de forma acentuada sobretudo em direção ao sul, onde se espalhou por mais de 554.000 km² do Sahel no mesmo período, cobrindo uma área de 9,4 milhões de quilômetros quadrados. E esse fenômeno está ocorrendo não somente nessa região, mas também em outros lugares das bordas do deserto. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 120.000 km² de terra são perdidos globalmente a cada ano em decorrência da desertificação.
“A desertificação se espalha mais como um câncer do que como uma onda ou um incêndio na floresta”, explica Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD, na sigla em inglês). "O prejuízo para a economia global é estimado em US$ 1,3 bilhão por dia devido à perda de terras agrícolas, para pastagem de gado, à perda de terras que poderiam ser usadas para turismo e habitação humana", ressalta.
A UNDCC estabeleceu a meta de restaurar 1 milhão de km² de terras na África até 2030. Meta que, apesar de ambiciosa, é esperada para oferecer maior segurança alimentar ao Sahel e seu povo, melhorando o solo para o cultivo e, ao mesmo tempo, ajudando a capturar milhões de toneladas de carbono da atmosfera. O sucesso tem sido relativo, e a iniciativa vem sendo criticada pelo progresso lento. Fora da África, a tentativa semelhante da China de plantar barreiras florestais para conter o avanço do Deserto de Gobi também teve efeitos limitados. Na verdade, há indícios de que as tempestades de areia do Deserto de Gobi podem ter aumentado, ao invés de diminuído.
Em Paga, as mulheres estão se tornando mais empoderadas em suas comunidades e estão se envolvendo mais em decisões dentro de suas próprias famílias. "Antes, era difícil para as mulheres dizerem que queriam fazer as coisas porque não tinham acesso fácil à renda", diz Julius Awaregya. "Agora elas têm renda própria e estão tomando decisões a nível familiar". As comunidades locais também estão mudando. "Eles não queimam mais o mato ou ateiam fogo", acrescenta Awaregya. "Criaram suas próprias leis comunitárias para proteger as árvores". Com mais árvores e um solo melhor, pode ser que o povo de Paga e seus crocodilos ainda vivam juntos por um bom tempo.