O mundo cinco anos após a abertura de assinaturas do Acordo de Paris
Esther Grisoni
Há cinco anos, em 22 de abril de 2016, o Acordo de Paris era aberto às assinaturas formais de 195 países, começando ali a promessa da contribuição mundial para um futuro mais seguro e sustentável, longe do pesadelo das mudanças climáticas.
Aprovado em 2015, durante a 21a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 21), o acordo surgiu da necessidade de estipular metas e compromissos relativos à redução das emissões de gases estufa entre as nações signatárias. Seu principal objetivo consiste em manter a temperatura média global num aumento entre 1,5°C e 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Consoante com as determinações previstas na resolução, os países comprometidos devem traçar internamente um plano de ação para o alcance de metas, a chamada Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC).
Cinco anos após as assinaturas, os Estados estariam, portanto, próximos a alcançarem seus objetivos? Ao que tudo indica, isso não parece estar caminhando no sentido ideal, nem no Brasil, nem no restante da comunidade internacional.
A comunidade internacional e o futuro
É fato que os objetivos do Acordo de Paris são ambiciosos, especialmente quando se leva em consideração que a legislação internacional não determina como obrigatório o cumprimento das promessas feitas pelas nações, tornando incerto os rumos do futuro do planeta. Em 2015, quando o acordo foi firmado, esperava-se que as NDCs tivessem de ser renovadas de 5 em 5 anos, visto que a manutenção dos mesmos planos de ação ao longo das décadas não garantiria sucesso em manter a temperatura global em torno dos níveis aceitáveis.
Um estudo do World Resources Institute (WRI) com a ClimateWorks Foundation avaliou que, para alcançar a redução necessária até 2030, o mundo precisaria acelerar o ritmo da adoção de energia renovável em seis vezes em relação às taxas atuais, eliminar o carvão cinco vezes mais rápido e aumentar em 22 vezes o uso de veículos elétricos; além disso, as emissões provenientes do desmatamento e da indústria agropecuária precisariam começar a diminuir urgentemente. Segundo a WRI, para limitar o aquecimento global a 1,5°C, as taxas globais precisariam ser reduzidas pela metade ainda na década de 2020, e novamente pela metade na década de 2030, e de novo na de 2040.
Ao longo de 2020 e no início de 2021, muitas nações se posicionaram quanto ao tópico. Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos, afirmou o compromisso do país em alcançar a neutralidade de carbono até 2050, assumindo caminhos diferentes à política anti-climática de seu antecessor Donald Trump, cujas ações vinham gerando grande repercussão na esfera global. Já no Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson se comprometeu com uma retomada verde da economia, estabelecendo maiores investimentos em energia renovável no país.
Além desses, a China, maior emissora de CO2 do mundo, anunciou, no último setembro, que pretende atingir a neutralidade de carbono antes de 2060, o que reduziria a estimativa de aquecimento do final do século em 0,2 a 0,3º C.
Na América Latina, Argentina e Colômbia mostraram avanços nas iniciativas. O presidente argentino Alberto Fernández anunciou que mira em uma nova NDC com limites de emissão 25% menores para 2030, enquanto o colombiano Iván Duque prometeu 51% de redução absoluta de emissões também em 2030. Já o Brasil, maior poluidor do território latino, apresentou retrocesso nas metas voluntárias, consequência da política ambiental adotada pelo seu Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
O Brasil e sua política ambiental
Ao assinar o acordo em 2015, o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030. Durante a COP21, a então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, defendeu que o país precisava discutir quais os principais caminhos para descarbonizar sua economia, prestando especial atenção ao setor energético e à agricultura.
Dentre as principais determinações da NDC do país, estavam as metas de aumentar o uso de fontes de energias renováveis em sua matriz, utilizar tecnologias limpas nas indústrias, melhorar a infraestrutura dos transportes, diminuir o desmatamento e restaurar e reflorestar até 12 milhões de hectares de floresta.
Entretanto, a passagem de sucessivos governos pelo poder durante esses cinco anos fez com que o Acordo de Paris também passasse por diferentes momentos de comprometimento dentro do território nacional, caminhando para uma direção contrária ao que se planejava até então.
Logo no início do governo de Jair Bolsonaro, o presidente optou pela retirada do Brasil como candidato a sediar a COP 25, uma vez que estudava a possibilidade de fazer o país deixar o Acordo. Na época, a decisão foi apoiada pelo ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que considerava toda a situação um “alarmismo climático”.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também se posicionou desde o início do mandato: “(…) As nossas posições serão tomadas de acordo com os nossos interesses. O que entendermos que for bom para o Brasil, faremos. Aquilo que não estiver alinhado com o que a gente quer, por qualquer razão que seja, nós não faremos. Ah, mas e o que consenso internacional quer? Ué, vai ficar querendo.” (entrevista ao Folha de São Paulo, 2019).
Em 2019, com o aumento do desmatamento comprovado pelo INPE, Noruega e Alemanha congelaram doações ao Fundo Amazônia. No mesmo ano, as queimadas na Amazônia chocaram o país, enquanto o presidente sugeria o envolvimento de ONGs por trás dos acontecimentos. Em 2020, com o fogo se alastrando no Pantanal, o mundo viu queimar significativa parcela da fauna e flora brasileiras. Pouco a pouco, o atual governo fez com que o Brasil fosse perdendo o protagonismo que sempre teve em reuniões internacionais relacionadas ao meio ambiente.
Segundo os estudos mais atualizados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o Brasil é hoje o 5° maior emissor de carbono do mundo devido, principalmente, às emissões provenientes do desmatamento. A avaliação final do SEEG é que o país chegou a 2020 com aumento das emissões - portanto, mais distante do cumprimento das metas de Paris.
Destaca-se, ainda, que durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, realizada em 22 de abril deste ano, algumas declarações do presidente Jair Bolsonaro - como o combate ao desmatamento ilegal até 2030 e a promoção de neutralidade de carbono até 2050 - deixaram especialistas completamente desacreditados, visto que as promessas feitas não condizem de forma alguma com a política que vem sendo adotada nos últimos anos de governo.
O que nos aguarda?
A confecção do Acordo de Paris representou um atestado da preocupação mundial com eventos extremos, mas manter a temperatura global abaixo de 2°C é o limiar do cataclisma. Ao que tudo indica, mesmo cumprindo-se as metas estipuladas, elas ainda serão insuficientes. Segundo pesquisa publicada em 2018 pela ONU, caso a temperatura da Terra consiga ser mantida entre 1,5°C e 2,0°C, os efeitos das mudanças climáticas para o Século XXI não serão completamente evitados, apenas adiados - e essa ainda continua sendo nossa melhor esperança.
Ainda que se consiga alcançar a meta, estima-se que entre 20 e 40% da Amazônia será destruída (Intergovenmental Panel on Climate Change, Global Warming of 1.5°C); a Groenlândia ainda entrará em degelo irreversível (Robinson et al., “Greenland ice sheet”); 4 milhões de pessoas sofrerão com a escassez de água (Wallace Wells, Uninhabitable Earth); haverá um aumento estimado de 40% em conflitos armados decorrentes das mudanças climáticas (Burke et al., “Climate and Conflict”); entre diversas outras consequências ambientais que sofrerão com os efeitos da retroalimentação.
É necessário reduzir o consumo de combustíveis fósseis, mas também é necessário proteger nossas florestas. É necessário migrar para energias renováveis, mas também combater as atuais práticas do agronegócio e diminuir o consumo global de produtos de origem animal. É preciso pensar nos refugiados climáticos e em trazer os povos indígenas para o centro do debate.
Nossos líderes governamentais precisam declarar estado de emergência climática em seus países para fomentar ações mais efetivas. As mudanças devem ocorrer desde já. Quaisquer metas para daqui a 10, 20, 30 anos já estão atrasadas.
“A distância entre o que precisamos fazer e o que realmente está sendo feito está aumentando a cada minuto. Ainda estamos acelerando na direção errada”
Greta Thumberg