Indígenas protestam há duas semanas contra projeto que muda a lei de demarcação das suas terras
Marina Morena
Na última terça-feira (22), protestantes de diversas etnias indígenas, que vêm manifestando há duas semanas em frente à Câmara dos Deputados, foram reprimidos pela polícia local com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Os protestantes afirmam que estavam manifestando pacificamente quando foram atacados, e dois policiais legislativos e um PM foram atingidos com flechas. A manifestação se faz contrária à votação do PL 490/2007, que vem sendo duramente criticado por grupos defensores dos direitos dos povos indígenas.
O projeto em questão, criado em 2007 e relatado por Arthur Maia (DEM/BA), propõe uma mudança na forma de demarcação das terras indígenas: os povos precisam comprovar que ocupavam a terra em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal vigente atualmente. Além disso, o projeto procura flexibilizar as regras de contato com povos isolados, proibir a ampliação de terras já demarcadas e permitir a exploração dos territórios indígenas por garimpeiros.
A votação, adiada para quarta-feira (23) após os protestos, poderá permitir a continuação da tramitação desse PL caso aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Anteriormente, em 2009, ele já havia sido rejeitado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, mas aprovado, em 2008, pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural.
Do que se trata o projeto de lei?
Nos dias de hoje, a demarcação de terras indígenas ocorre por meio da abertura de um processo na Fundação Nacional do Índio (Funai), em que será criado um relatório de identificação e delimitação por profissionais de diversas áreas, sem a necessidade de comprovação da data de posse.
Entretanto, o novo PL pede que os povos nativos comprovem sua ocupação de tal território em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Depois de comprovada a data de posse, as terras demarcadas pela FUNAI não poderiam ser expandidas, nem se os povos indígenas conseguissem comprovar sua ocupação.
Ademais, a flexibilização desejada para o contato com grupos isolados, o que poderia colocar em perigo a sociedade e a saúde dessas pessoas, é outra pauta que o projeto tenta aprovar. No artigo 29 do PL, lê-se: “no caso de indígenas isolados, cabe ao Estado e à sociedade civil o absoluto respeito a suas liberdades e meios tradicionais de vida, devendo ser ao máximo evitado o contato, salvo para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública".
Os critérios para o que seria de “utilidade pública” não são clarificados, deixando, assim, que isso se torne uma decisão do governo.
Quais são as críticas a esse PL?
No que se trata da demarcação e da impossibilidade de ampliação das terras, algumas das principais críticas são, como disse a advogada do Instituto Socioambiental, Juliana de Paula Batista, o fato de as sociedades tradicionais, por muito tempo e até hoje, não terem tido acesso a meios de registros formais.
"Muitos indígenas nesta época não tinham contato com a sociedade ou eram povos de recente contato. Os indígenas até 1988 eram tutelados pela União, eles sequer eram considerados povos com capacidade jurídica plena", afirmou a advogada.
Além da dificuldade de provar a ocupação, os especialistas, como o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Rafael Modesto, demonstram, com exemplos reais, como impedir a expansão da área já demarcada pode ser, na verdade, a perpetuação de uma injustiça. O caso relembrado pelo assessor foi o do povo Myky, do Mato Grosso, que recebeu terra do governo, em 1968, fora da sua ocupação histórica e menor do que o real território do povo.
Sobre o contato com os povos isolados, Juliana Batista também deixa clara a inconstitucionalidade do projeto. Ela afirmou que o projeto prevê a possibilidade da retirada de áreas do usufruto exclusivo dos indígenas, quando existir, por exemplo, interesses de garimpagem ou ‘relevante interesse público da união’, o que é algo proibido na Constituição. Ademais, essa flexibilidade, diz a advogada, infringiria o direito dos próprios indígenas de "usos, costumes e tradições” presente na Constituição.